Nas últimas décadas, o homem tem
demonstrado uma maior preocupação para com as causas ambientais. Ainda assim,
há aspectos que, por razões várias, não têm merecido a devida atenção, não lhes
sendo reconhecido, pela sociedade no geral, o seu valor real. Entre outros
aspectos, aqui podemos incluir a geodiversidade.
Habituamo-nos a ver as rochas e as paisagens à nossa volta sem nos questionarmos sobre a sua importância ou sobre a sua conservação. Desde sempre fizeram parte
do nosso quotidiano. Crescemos a vê-las serem transformadas (mais do que a se transformarem),
a serem adaptadas às necessidades e vontades humanas. Mas muito poucas vezes
conseguimos valorizá-las devidamente, mesmo que saibamos reconhecer a sua
beleza ou a variedade de seres que deles dependem. Ainda assim, muito dificilmente
somos capazes de fazer algo para as preservar ou conservar. Talvez por serem
elementos abióticos não as conseguimos valorizar. Ou pelo menos, uma grande
parte da sociedade não o faz.
Mas o que entendemos afinal por
geodiversidade? De uma forma muito simplista podemos dizer que se trata de um
vocábulo que designa a diversidade
geológica. Como palavra composta resulta da junção do sufixo 'geo', do
grego 'ge, ges' que significa terra ou rocha, com o substantivo latino ' diversitas,
atis' , significando variedade, multiplicidade. Estamos perante um conceito integrador, que procura
englobar todos os materiais e fenómenos que definem a Terra e o modo como ela se transforma e evolui.
A utilização deste vocábulo é relativamente recente. De acordo com Gray (2004) e Brilha (2005) o termo
"geodiversidade" foi usado pela primeira vez por Sharpes (1993) na Conferência de Malverns sobre Conservação Geológica e Paisagística,
em 1993. Logo depois foi também
utilizado por Kiernan (1994, 1996, 1997) e por Dixon (1995, 1996) em estudos efectuados
no âmbito da conservação geológica e
geomorfológica, na Tasmânia.
Muitas vezes não reparamos na importância da diversidade geológica na manutenção da biodiversidade que nos rodeia. |
Utilizado muitas vezes por oposição à biodiversidade, remetendo
para o facto de a Natureza ser composta por duas grandes fações, uma biótica e outra
abiótica, a geodiversidade engloba os aspectos não vivos do planeta Terra. Não
será fácil uma definição consensual, ainda assim, segundo a Royal Society for Nature Conservation
(agora Royal Society of Wildlife Trusts), do Reino Unido, podemos defini-la
como:
"A geodiversidade consiste
na variedade de ambientes geológicos,
fenómenos e processos activos que dão origem a paisagens, rochas, minerais, fósseis, solos e outros depósitos superficiais que são o
suporte da vida na terra" (apud Brilha, 2005).
Assume-se como aglutinadora dos elementos abióticos da Terra, tanto do passado (como rochas, fósseis ou minerais), como do presente, por isso ainda em
transformação, e que condicionam a
biodiversidade (vejamos, por exemplo, a dependência de algumas espécies de
determinado tipo de solo), mas também a
evolução da civilização humana. Basta pensarmos, por exemplo, da
necessidade de alguns metais ou minerais para o desenvolvimento tecnológico,
ou, bem mais simples, a capacidade que os diferentes tipos de solo têm de alterar
as qualidade da água; além de que, não fosse a geodiversidade a Terra seria
todo igual, condicionando muito além dos aspectos emocionais e estéticos.
Tal como a biodiversidade, também
a geodiversidade poderá ser posta em causa de diversas formas e necessitar, por
isso, de estratégias de conservação ou preservação. Não podemos, pois, deixar
de ter em conta que o nosso património geológico é um recurso natural não renovável que é frequentemente ameaçado por processos naturais (a erosão ou as
alterações climáticas, por exemplo) ou pela acção humana, donde resultam, na verdade, a maioria dos perigos à
diversidade geológica, directa ou indirectamente (neste último caso, sobretudo
pela interação dos efeitos antropogénicos com as dinâmicas naturais da Terra) e
que podem levar à perda parcial ou total de alguns lugares geológicos.
Ora, de entre as ameaças
'humanas' à geodiversidade podemos destacar:
- a exploração dos recursos geológicos - o preço a pagar pelo
desenvolvimento e conforto inclui, a maior parte das vezes, a degradação dos materiais
geológicos; além disso com o crescimento demográfico e a aposta no
desenvolvimento, somos tentados a extrair demasiados bens naturais (inertes,
combustíveis fósseis);
- o desenvolvimento de obras e estruturas - os impactes negativos de algumas
estruturas na paisagem são flagrantes, bem como o efeito, por vezes negativo,
do desenvolvimento urbano;
- a gestão de bacias hidrográficas - na tentativa de regularização dos
caudais das linhas de água e prevenção das cheias, hipotecamos a geodiversidade
(e biodiversidade) dos locais;
Por vezes, a acção humana nos elemento geológicos leva à degradação do ecossistema. |
- florestação, desflorestação e agricultura - o impacto destas acções
é, por vezes, prejudicial, levando, por exemplo, à degradação geológica;
- actividades militares - por exemplo, a destruição causada pelas
guerras é, muitas vezes, incalculável e irrecuperável;
- actividades recreativas e turísticas - nomeadamente a sobrecarga
das viaturas todo-o-terreno ou do pisoteio em zonas sensíveis;
- colheitas de amostras para fins não científicos - se cada pessoa
que visita uma determinada localidade retirar uma rocha ou um mineral,
facilmente conseguimos perceber o impacto desta acção; além disso não podemos
deixar de ter em conta o contrabando e o comércio ilegal destes bens;
- iliteracia cultural - aqui, além da falta de informação do cidadão
comum, podemos referir a ausência de protecção legal adequada, a falta de
experiência e o desconhecimento das autoridades locais, nacionais e
internacionais; só somos capazes de preservar e conservar aquilo que
conhecemos.
A verdade é que, após uma breve
reflexão, facilmente nos apercebemos da nossa dependência desta diversidade, embora ainda não tenhamos conseguido
lidar com essa situação da melhor forma. Conseguimos, isso sim, reconhecer o seu
valor, preso que está a muitos dos
aspectos que ainda agora referimos, e sobretudo porque condiciona e determina a
biodiversidade (atente-se, por exemplo, na importância da paisagem - onde se
inclui, naturalmente, o solo, o relevo ou o clima - na diversidade biológica).
Tenhamos em atenção que esta
relação entre a geodiversidade e a biodiversidade não é estanque e conhece várias
interdependências. Parks e Mulligan (2010), por exemplo, defendem que os
componentes ambientais da geodiversidade (clima, relevo, geologia, hidrologia)
tornam-se condutores da biodiversidade
e podem ser usados para prever a disponibilidade de recursos (energia, água,
nutrientes), argumentos que podem ser importantes para a inclusão e
reconhecimento da importância da geodiversidade na gestão dos ecossistemas
(Gordon et al. 2011).
Note-se que a implementação de estratégias de geoconservação efectiva
permite a sensibilização para a necessidade de compreendermos os sistemas
naturais e a sua componente geológica (Wimbledon et al., 2012), além de que, se
o nosso património geológico for devidamente bem gerido, podemos conjugar diferentes tipos de uso - científico,
educativo e económico - com benefícios claros para a sociedade (ProGEO, 2017).
Falando especificamente do caso
da ilha da Madeira, tem sido notório
o esforço das entidades governativas em impulsionar o reconhecimento por parte
da sociedade regional do valor da geodiversidade madeirense, nomeadamente com a
implementação da 'Estratégia de
Conservação do Património Geológico da Região Autónoma da Madeira', em
2015.
O Pico Ana Ferreira, no Porto Santo, destaca-se pela sua estrutura colunar, também denominada por disjunção prismática, e que torna este pico um local de referência nacional. |
Este projecto é, na verdade, o
resultado de vários anos de trabalho e estudo, donde resultou a elaboração de um
inventário do património geológico do arquipélago da Madeira, o qual permitiu a
identificação de vários geossítios
com interesse, contribuindo para a divulgação do património geológico regional,
ao mesmo tempo que lhe dá maior visibilidade e dimensão pública, permitindo afirmar
todo o potencial científico, didático e turístico.
Muita da informação afecta ao
projecto está disponível para o público em geral através de um sítio na
internet (https://geodiversidade.madeira.gov.pt/).
De resto, a importância turística (Ribeiro et al., 2009) e medicinal (Gomes et
al., 2001) de alguns geossítios há muito que é reconhecida. Muito mais há,
certamente, a fazer, nomeadamente no que toca à sensibilização para a
importância da preservação e conservação desses espaços pelos cidadãos.
Bibliografia
- BRILHA, José (2005). Património geológico e geoconservação - a
conservação da natureza na sua vertente geológica. Palimage Editores.
- BUREK, Cynthia V. e Colin D. PROSSER (2008). "The history of
geoconservation: an introduction". In. BUREK, Cynthia V. e Colin D. PROSSER (Eds.) (2008). The History of Geoconservation. Special Publications. Geological
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- GOMES, Celso e João Baptista
SILVA (2001). Areia de Praia e Bentonite
da Ilha do Porto Santo - Potencialidades
para aplicações em Geomedicina.
- GORDON, John E., Barron Hugh F. BARRON, James
D. HANSOM e Michael F. THOMAS (2011). "Engaging with geodiversity – why it
matters". Proceedings of the
Geologists’ Association. Volume 123. pp. 1-6.
- GRAY, Murray
(2004). Geodiversity: valuing and
conserving abiotic nature. John Wiley and Sons, Ltd.
- PARKS, K.E. e M. MULLIGAN (2010). "On
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- RIBEIRO, Maria Luísa e Miguel
Magalhães RAMALHO (2009). Uma visita
geológica ao Arquipélago da Madeira - Principais locais Geo-turísticos. Direcção
Regional do Comércio, Indústria e Energia e Laboratório Nacional de Energia e
Geologia.
- THOMAS, Michael.F. (2012). "A geomorphological
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In. AAVV Quaestiones Geographicae. N.º
31(1), Bogucki Wydawnictwo Naukowe. pp.
81–89.
- SHARPLES, Chris (2002). Concepts and Principles of Geoconservation.
Tasmanian Parks and Wildlife Services.
- WIMBLEDON, Bill e Sylvia SMITH-MEYER (ed.)
(2012). Geoheritage in Europe and Its
Conservation. ProGEO - European Association for the Conservation of the
Geological Heritage.