domingo, 19 de novembro de 2017

Geodiversidade e a importância da sua conservação

Nas últimas décadas, o homem tem demonstrado uma maior preocupação para com as causas ambientais. Ainda assim, há aspectos que, por razões várias, não têm merecido a devida atenção, não lhes sendo reconhecido, pela sociedade no geral, o seu valor real. Entre outros aspectos, aqui podemos incluir a geodiversidade.

Habituamo-nos a ver as rochas e as paisagens à nossa volta sem nos questionarmos sobre a sua importância ou sobre a sua conservação. Desde sempre fizeram parte do nosso quotidiano. Crescemos a vê-las serem transformadas (mais do que a se transformarem), a serem adaptadas às necessidades e vontades humanas. Mas muito poucas vezes conseguimos valorizá-las devidamente, mesmo que saibamos reconhecer a sua beleza ou a variedade de seres que deles dependem. Ainda assim, muito dificilmente somos capazes de fazer algo para as preservar ou conservar. Talvez por serem elementos abióticos não as conseguimos valorizar. Ou pelo menos, uma grande parte da sociedade não o faz.

Mas o que entendemos afinal por geodiversidade? De uma forma muito simplista podemos dizer que se trata de um vocábulo que designa a diversidade geológica. Como palavra composta resulta da junção do sufixo 'geo', do grego 'ge, ges' que significa terra ou rocha, com o substantivo latino ' diversitas, atis' , significando variedade, multiplicidade. Estamos perante um conceito integrador, que procura englobar todos os materiais e fenómenos que definem a Terra e o modo como ela se transforma e evolui.

A utilização deste vocábulo é relativamente recente. De acordo com Gray (2004) e Brilha (2005) o termo "geodiversidade" foi usado pela primeira vez por Sharpes (1993) na Conferência de Malverns sobre Conservação Geológica e Paisagística, em 1993. Logo depois foi também utilizado por Kiernan (1994, 1996, 1997) e por Dixon (1995, 1996) em estudos efectuados no âmbito da conservação geológica e geomorfológica, na Tasmânia.


Muitas vezes não reparamos na importância da diversidade geológica
na manutenção da biodiversidade que nos rodeia.
Utilizado muitas vezes por oposição à biodiversidade, remetendo para o facto de a Natureza ser composta por duas grandes fações, uma biótica e outra abiótica, a geodiversidade engloba os aspectos não vivos do planeta Terra. Não será fácil uma definição consensual, ainda assim, segundo a Royal Society for Nature Conservation (agora Royal Society of Wildlife Trusts), do Reino Unido, podemos defini-la como:

"A geodiversidade consiste na variedade de ambientes geológicos, fenómenos e processos activos que dão origem a paisagens, rochas, minerais, fósseis, solos e outros depósitos superficiais que são o suporte da vida na terra" (apud Brilha, 2005).

Assume-se como aglutinadora dos elementos abióticos da Terra, tanto do passado (como rochas, fósseis ou minerais), como do presente, por isso ainda em transformação, e que condicionam a biodiversidade (vejamos, por exemplo, a dependência de algumas espécies de determinado tipo de solo), mas também a evolução da civilização humana. Basta pensarmos, por exemplo, da necessidade de alguns metais ou minerais para o desenvolvimento tecnológico, ou, bem mais simples, a capacidade que os diferentes tipos de solo têm de alterar as qualidade da água; além de que, não fosse a geodiversidade a Terra seria todo igual, condicionando muito além dos aspectos emocionais e estéticos.

Tal como a biodiversidade, também a geodiversidade poderá ser posta em causa de diversas formas e necessitar, por isso, de estratégias de conservação ou preservação. Não podemos, pois, deixar de ter em conta que o nosso património geológico é um recurso natural não renovável  que é frequentemente ameaçado por processos naturais (a erosão ou as alterações climáticas, por exemplo) ou pela acção humana, donde resultam, na verdade, a maioria dos perigos à diversidade geológica, directa ou indirectamente (neste último caso, sobretudo pela interação dos efeitos antropogénicos com as dinâmicas naturais da Terra) e que podem levar à perda parcial ou total de alguns lugares geológicos.

Ora, de entre as ameaças 'humanas' à geodiversidade podemos destacar:

- a exploração dos recursos geológicos - o preço a pagar pelo desenvolvimento e conforto inclui, a maior parte das vezes, a degradação dos materiais geológicos; além disso com o crescimento demográfico e a aposta no desenvolvimento, somos tentados a extrair demasiados bens naturais (inertes, combustíveis fósseis);

- o desenvolvimento de obras e estruturas - os impactes negativos de algumas estruturas na paisagem são flagrantes, bem como o efeito, por vezes negativo, do desenvolvimento urbano;

- a gestão de bacias hidrográficas - na tentativa de regularização dos caudais das linhas de água e prevenção das cheias, hipotecamos a geodiversidade (e biodiversidade) dos locais;

Por vezes, a acção humana nos elemento geológicos leva à degradação do ecossistema.
- florestação, desflorestação e agricultura - o impacto destas acções é, por vezes, prejudicial, levando, por exemplo, à degradação geológica;

- actividades militares - por exemplo, a destruição causada pelas guerras é, muitas vezes, incalculável e irrecuperável;

- actividades recreativas e turísticas - nomeadamente a sobrecarga das viaturas todo-o-terreno ou do pisoteio em zonas sensíveis;

- colheitas de amostras para fins não científicos - se cada pessoa que visita uma determinada localidade retirar uma rocha ou um mineral, facilmente conseguimos perceber o impacto desta acção; além disso não podemos deixar de ter em conta o contrabando e o comércio ilegal destes bens;

- iliteracia cultural - aqui, além da falta de informação do cidadão comum, podemos referir a ausência de protecção legal adequada, a falta de experiência e o desconhecimento das autoridades locais, nacionais e internacionais; só somos capazes de preservar e conservar aquilo que conhecemos.

A verdade é que, após uma breve reflexão, facilmente nos apercebemos da nossa dependência desta diversidade, embora ainda não tenhamos conseguido lidar com essa situação da melhor forma. Conseguimos, isso sim, reconhecer o seu valor, preso que está a muitos dos aspectos que ainda agora referimos, e sobretudo porque condiciona e determina a biodiversidade (atente-se, por exemplo, na importância da paisagem - onde se inclui, naturalmente, o solo, o relevo ou o clima - na diversidade biológica).

Tenhamos em atenção que esta relação entre a geodiversidade e a biodiversidade não é estanque e conhece várias interdependências. Parks e Mulligan (2010), por exemplo, defendem que os componentes ambientais da geodiversidade (clima, relevo, geologia, hidrologia) tornam-se condutores da biodiversidade e podem ser usados para prever a disponibilidade de recursos (energia, água, nutrientes), argumentos que podem ser importantes para a inclusão e reconhecimento da importância da geodiversidade na gestão dos ecossistemas (Gordon et al. 2011).

De certa forma, só porque lhe reconhecemos o seu valor (Gray, 2004) - intrínseco, cultural, estético, económico, funcional, científico e eductaivo  - é que preconizamos a sua conservação, naquilo a que podemos designar de 'geoconservação', que mais não é do que "a preservação da diversidade natural (geodiversidade) de significativos aspetos e processos geológicos (substrato), geomorfológicos (formas de paisagem) e de solo, mantendo a evolução natural (velocidade e intensidade) desses aspetos e processos" (Sharples, apud Brilha, 2005).

Note-se que a implementação de estratégias de geoconservação efectiva permite a sensibilização para a necessidade de compreendermos os sistemas naturais e a sua componente geológica (Wimbledon et al., 2012), além de que, se o nosso património geológico for devidamente bem gerido, podemos conjugar diferentes tipos de uso - científico, educativo e económico - com benefícios claros para a sociedade (ProGEO, 2017).

Falando especificamente do caso da ilha da Madeira, tem sido notório o esforço das entidades governativas em impulsionar o reconhecimento por parte da sociedade regional do valor da geodiversidade madeirense, nomeadamente com a implementação da 'Estratégia de Conservação do Património Geológico da Região Autónoma da Madeira', em 2015.

O Pico Ana Ferreira, no Porto Santo, destaca-se pela sua estrutura colunar,
também denominada por disjunção prismática, e que torna este pico um local de referência nacional. 


 O “Cabeço das Laranjas”, no Porto Santo, destaca-se por apresentar uma elevada concentração
de fósseis de rodólitos, estruturas produzidas por algas calcárias do grupo das algas vermelhas,
de idade Miocénica (15-14 Ma), contemporâneas da fase de pré-emersão da ilha.

Este projecto é, na verdade, o resultado de vários anos de trabalho e estudo, donde resultou a elaboração de um inventário do património geológico do arquipélago da Madeira, o qual permitiu a identificação de vários geossítios com interesse, contribuindo para a divulgação do património geológico regional, ao mesmo tempo que lhe dá maior visibilidade e dimensão pública, permitindo afirmar todo o potencial científico, didático e turístico.  

Muita da informação afecta ao projecto está disponível para o público em geral através de um sítio na internet (https://geodiversidade.madeira.gov.pt/). De resto, a importância turística (Ribeiro et al., 2009) e medicinal (Gomes et al., 2001) de alguns geossítios há muito que é reconhecida. Muito mais há, certamente, a fazer, nomeadamente no que toca à sensibilização para a importância da preservação e conservação desses espaços pelos cidadãos.

Bibliografia
- BRILHA, José (2005). Património geológico e geoconservação - a conservação da natureza na sua vertente geológica. Palimage Editores.

- BUREK, Cynthia V. e Colin D. PROSSER (2008). "The history of geoconservation: an introduction". In. BUREK, Cynthia V. e Colin D. PROSSER (Eds.) (2008). The History of Geoconservation. Special Publications. Geological Society. Volume 300. pp. 1-5.

- GOMES, Celso e João Baptista SILVA (2001). Areia de Praia e Bentonite da Ilha do Porto Santo  - Potencialidades para aplicações em Geomedicina.

- GORDON, John E., Barron Hugh F. BARRON, James D. HANSOM e Michael F. THOMAS (2011). "Engaging with geodiversity – why it matters". Proceedings of the Geologists’ Association. Volume 123. pp. 1-6.

- GRAY, Murray (2004). Geodiversity: valuing and conserving abiotic nature. John Wiley and Sons, Ltd.

- PARKS, K.E. e M. MULLIGAN (2010). "On the relationship between a resource-based measure of geodiversity and broad scale biodiversity patterns". In. AAVV. Biodiversity and Conservation. N.º 19. Springer Netherlands. pp. 2751–2766.

- RIBEIRO, Maria Luísa e Miguel Magalhães RAMALHO (2009). Uma visita geológica ao Arquipélago da Madeira - Principais locais Geo-turísticos. Direcção Regional do Comércio, Indústria e Energia e Laboratório Nacional de Energia e Geologia.

- THOMAS,  Michael.F. (2012). "A geomorphological approach to geodiversity – its applications to geoconservation and geotourism." In. AAVV Quaestiones Geographicae. N.º  31(1), Bogucki Wydawnictwo Naukowe. pp. 81–89.

- SHARPLES, Chris (2002). Concepts and Principles of Geoconservation. Tasmanian Parks and Wildlife Services.


- WIMBLEDON, Bill e Sylvia SMITH-MEYER (ed.) (2012). Geoheritage in Europe and Its Conservation. ProGEO - European Association for the Conservation of the Geological Heritage.  

1 comentário:

  1. Olá Marco!
    As imagens que apresentou revelam de facto a beleza ímpar que caracteriza a região de Porto Santo e, num sentido mais vasto, as regiões autónomas.
    As paisagens resultam da combinação dinâmica entre os elementos físicos e os elementos humanos, em constante interação e transformação, conferindo-lhes um carácter único e indissociável, cuja importância e interesse nem sempre são devidamente reconhecidos.
    Nos arquipélagos a constituição geológica de origem vulcânica imprime nas paisagens características naturais singulares e que, combinadas com outros elementos naturais como a vegetação, o relevo e a biodiversidade, conferem significativa relevância para a consideração do seu valor estético, económico, científico, entre outras valorizações. A identificação de geossítios encerra um potencial endógeno que poderá ser explorado pelo turismo que, no entanto, deverá desenvolver-se de forma sustentável, preservando e valorizando os recursos ambientais, nomeadamente o seu património geológico e paisagístico. O desenvolvimento sustentável tem implícito um compromisso com as gerações vindouras, no sentido de assegurar a transmissão do «património», nomeadamente a geodiversidade e a indispensável geoconservação, promovendo-se a devida concertação entre a Natureza e o desenvolvimento.
    Cumprimentos,
    Sandra Duarte

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