A transformação da superfície terrestre pela acção humana tem vindo a
impor uma outra postura de todos nós face à utilização dos recursos naturais que a Terra tem para nos oferecer. Particularmente no que diz respeito à herança geológica que recebemos, só nas
duas últimas décadas é que temos vindo a despertar para esta nova realidade
(Brilha, 2005), já que até então a forma como lidávamos com os recursos
geológicos assentava, sobretudo, numa exploração
utilitarista e economicista.
Esta nova postura tem
beneficiado, em parte, da maior
abrangência com que temos vindo a interpretar o património natural, não o limitando à flora e à fauna, incluindo,
também, neste conjunto a paisagem (com elementos naturais e antrópicos
associados) e o património geológico.
A riqueza deste património, que ainda hoje parece estar distante do
conhecimento de muitos responsáveis técnicos e políticos ligados pelas mais
variadas formas ao Ordenamento do Território e à Conservação da Natureza, só
nos inícios dos anos 90 do século passado (Gray, 2004) começou a ganhar alguma
relevância, materializando-se, por exemplo, na utilização do termos 'geodiversidade'.
Mas, tal como referimos no nosso
último post, a maior atenção que a sociedade tem vindo a dedicar à geodiversidade
tem levado, também, à constatação de que esta é frequentemente ameaçada por diversos factores,
sobretudo na dependência da acção humana,
embora os processos naturais não
possam ser, também, tidos em linha de conta. Note-se que a grande diferença entre
estes dois grandes grupos de ameaças à geodiversidade diz respeito à rapidez de degradação e à capacidade
destruidora que se verifica com cada um deles: enquanto os factores naturais
sucedem-se, normalmente, a um ritmo que permite a manutenção do equilíbrio, os
factores antropogénicos condicionam e hipotecam logo as dinâmicas naturais da
Terra e conduzem à perda parcial ou total de alguns lugares geológicos a um
ritmo irrecuperável.
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Nos últimos anos tem sido dada cada vez mais atenção à geodiversidade e às suas ameças. |
Por estas razões aqui
apresentadas, parece-nos ser mais pertinente nos determos com algum pormenor
nas ameaças antropogénicas à
geodiversidade. Ainda assim, de entre as ameaças
naturais à riqueza e diversidade geológica podemos elencar, por exemplo, a erosão ou as alterações climáticas.
Os efeitos negativos da acção
humana sobre a geodiversidade, tanto
directa, como indirectamente,
podem levar a um conjunto de consequências de diferentes graus, a saber: perda
total de um elemento de geodiversidade; perda parcial ou dano físico;
fragmentação do interesse; perda visibilidade ou intervisibilidade; perda de
acesso; interrupção do processo natural; poluição; e o impacto visual. E que
principais acções podem levar a estas consequências? É sobre esse assunto que
nos vamos agora deter por alguns instantes, procurando, sobretudo, dar alguns exemplos da realidade madeirense.
A exploração dos recursos geológicos
O preço a pagar pelo
desenvolvimento e conforto inclui, a maior parte das vezes, a degradação dos
materiais geológicos, não só na sua exploração para obtenção de matéria prima, mas também pela sua destruição em consequência de construções
que se venham a fazer. Não podemos deixar de ter em conta que o crescimento
demográfico força-nos a uma expansão, muitas vezes desregrada, a uma sobrexploração,
por exemplo, de materiais inertes ou de combustíveis fósseis. Estas ameaças têm
repercussões tanto ao nível da paisagem (degradação
e impacto negativo das explorações a céu aberto), como ao nível dos afloramentos (destruição de objectos
geológicos de maior valor), que muitas vezes podem levar à contaminação dos
recursos hídricos. Note-se, ainda assim, que em muitos casos são estas
explorações que permitem o contacto com riquezas geológicas que de outro modo
permaneceriam desconhecidas.
No caso da Madeira, é de termos em
conta a quantidade de pedreiras que
existiam espalhadas por toda a Ilha nos finais da década de 90 do século XX e
no decorrer da primeira década do século XXI, por força do boom de construção
que a Região conheceu. Tenhamos presente, também, a exploração que ocorreu no
Pico Ana Ferreira, no Porto Santo e a destruição de Em nome do progresso e
do desenvolvimento, foram irremediavelmente destruídos vários lugares
geológicos.
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Vestígios de antiga exploração da Pedreira da Palmeira (Câmara de Lobos) e a falta de implementação de medidas de contenção dos impactes. |
Desenvolvimento de obras e estruturas
Os impactes negativos de algumas
estruturas na paisagem são flagrantes, sobretudo quando falamos de obras de uma
dimensão superior, como barragens, marinas,
portos, lagoas, estações de tratamento de resíduos ou grandes edifícios. A integração
destas estruturas no meio onde se inserem é, frequentemente, questionável, bem
como a aplicação de estudos de impacto ambiental devidamente executados.
Tendo a Madeira como exemplo,
facilmente nos apercebemos deste tipo de ameaças quando nos detemos a
'apreciar' o impacto da grande maioria das vias de comunicação. A chamada 'via rápida' é um bom exemplo. Em muitos
casos, tal como tem sido prática em várias regiões do país, de forma a
promovermos a estabilização das escarpas que ladeiam estas vias de comunicação,
é feita a betonização, levando à
destruição ou ocultação por completo dos afloramentos geológicos. A par disso,
vejamos o impacto da Marina do Lugar de Baixo,
da Lagoa do Paul da Serra, neste
momento em construção, ou a Estação de
Tratamentos de Resíduos Sólidos da Meia Serra. No caso particular da Marina
do Lugar de Baixo, é importante termos em conta na forma como esta obra hipotecou
toda a zona envolvente ao colocar em causa a dinâmica dos processos naturais,
acabando por evidenciar a má projecção de toda a estrutura e consequente
destruição repetida.
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A Marina do Lugar de Baixo é um bom exemplo de como as construções na orla marítima podem ter efeitos nefastos e podem ser mal projectadas. |
Gestão de bacias hidrográficas
Na tentativa de regularização dos
caudais das linhas de água e
prevenção das cheias, hipotecamos a geodiversidade (e biodiversidade) dos
locais.
Olhando a realidade madeirense,
foquemo-nos na implicação da 'regularização' de todas as linhas de água que
atravessam a cidade do Funchal ou da
Ribeira Brava e a destruição e/ou ocultação das características geológicas dos locais. Estas intervenções têm sido mais evidentes
depois da nefastas intempérie de 20 de
Fevereiro de 2010.
As intervenções nas ribeiras do Funchal em nome da segurança da cidade têm sido objecto de vários reparos por diferentes entidades ambientalistas. |
Florestação, desflorestação e agricultura
Com o crescimento demográfico,
temos sido muitas vezes forçados a aumentar a produção de bens alimentares,
adoptando, consequentemente, práticas agrícolas mais prejudiciais ao ambiente a
vários níveis. A agricultura intensiva
e fortemente industrializada leva, por exemplo, à erosão (uso de maquinaria) e
à degradação geológica.
Algo não tão incisivo acontece,
também, com a florestação e a desflorestação. A primeira leva à ocultação das características geológicas
de um dado lugar; a segunda promove a erosão
dos solos.
No caso da Madeira, e tendo em
conta o relevo acentuado da Ilha, tenhamos presente o impacto negativo dos
incêndios e consequente destruição de algum património geológico e contribuição
para a erosão mais rápida de alguns locais. Por outro lado, foquemo-nos, por
exemplo, no impacto positivo dos poios
ou socalcos na rentabilização dos terrenos disponíveis para cultivo.
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Os poios ou socalcos fazem parte da paisagem agrícola madeirense. |
Actividades militares
Por vezes, as acções levadas a cabo
pelas forças militares levam à destruição de locais de riqueza geológica. Sobretudo
quando falamos de guerras, a destruição e perda de bens geológicos é, muitas
vezes, incalculável e irrecuperável.
Na Madeira, esta impacto
particamente não se verifica, podendo, potencialmente, serem evocadas as acções
de treino militar. Ainda assim, são actividades que não têm quaisquer efeitos
negativos no âmbito da geodiversidade.
Actividades recreativas e turísticas
Com o crescimento das actividades
ao ar livre, crescem também os efeitos
negativos da presença humana no
meio natural. No que à geodiversidade diz respeito, é de referir o impacte da
sobrecarga das viaturas todo-o-terreno ou, até mesmo, do pisoteio humano em zonas
sensíveis. Além disso, a construção de infraestruturas ligadas ao turismo, por vezes, têm efeitos
prejudiciais em zonas de si já bastante sensíveis.
Na Madeira, estes impactes são
tanto mais evidentes por causa da relevância
do turismo na nossa economia. Sendo os passeios a pé um dos ex libris da Região, o pisoteio e o
desrespeito por locais mais sensíveis têm consequências bastante graves para o equilíbrio
dos ecossistemas e para a preservação da riqueza geológica. Um bom exemplo que
podemos aqui apresentar é o da Ponta de
São Lourenço e a destruição de zonas onde os fósseis de gastrópodes
pulmonados são frequentes.
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O pisoteio em zonas sensíveis pode ter efeitos negativos ao nível da geodiversidade e biodiversidade. |
Particularmente no que respeita à
construção de infraestruturas turísticas e os seus impactos negativos, tomemos
como exemplo o campo de golfe do Porto
Santo, que ocupa uma área significativa e que exige uma quantidade
considerável de água para manutenção dos seus relvados, o que é problemático
numa região onde a escassez de água é significativa.
Colheitas de amostras para fins não científicos
A colheira de amostras para colecção ou venda ilegal é uma das ameaças mais comuns à diversidade geológica
de alguns locais. O levar para casa uma recordação de um local emblemático é
uma atitude bastante comum, mesmo que, em muitos dos caso, alguns anos depois
essa rocha ou outro material geológico acabe por ser deitado fora. Ora, se cada
pessoa que visita uma determinada localidade retirar uma rocha ou um mineral,
facilmente conseguimos perceber o impacto desta acção. Este problema acaba por
ser ainda mais gravoso, quando estamos perante situações de contrabando e
comércio ilegal destes bens. Em certos casos, são destruídos jazidas ou
amostras com menos valor comercial para obter as melhores amostras.
Na Madeira estas situações
verificam-se, sobretudo, com a recolha de amostras como recordação da passagem
por algum lugar.
Iliteracia cultural
A iliteracia cultural está,
provavelmente, na base das restantes ameaças referidas. Na verdade, a falta de
informação do cidadão comum, associada à ausência de protecção legal adequada, à
falta de experiência e ao desconhecimento das autoridades locais, nacionais e
internacionais leva-nos a não dar a devida atenção à geodiversidade que nos
envolve. Só somos capazes de preservar e
conservar aquilo que conhecemos.
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