Ao longo dos tempos, a evolução da vida na Terra
tem sido marcada pela sucessão de vários ciclos, originando mudanças profundas ou
eventos catastróficos que conduzem à alteração de paradigmas, tal como nos tem
vindo a demonstrar a paleontologia. Em 3,5 milhões de anos de evolução muitas
espécies surgiram e desapareceram. Foi o que aconteceu, por exemplo, com a as
glaciações ou com a extinção dos dinossauros (cf. o fenómeno "big five",
expressão adoptada por alguns cientistas para designar o último grande evento
de extinção que ocorreu à c. de 65 milhões de anos). Perante situações deste
género as espécies existentes passam por um de dois processos: não se conseguem
adaptar às novas condições e extinguem-se ou encontram formas de adaptação e
acabam sobrevivendo.
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A biodiversidade enfrenta várias ameaças directas e indirectas, com a acção humana a ocupar um lugar de destaque. |
Esta seria a ordem normal das coisas, não fosse
nos últimos anos este processo ter conhecido uma acelaração significativa,
sendo cada vez mais frequente e mais célere a extinção de espécies, e raros os
casos em que temos conhecimento do surgimento de espécies novas, fazendo com
que esta taxa seja muito superior à taxa natural, inviabilizando permite a
renovação aconteça naturalmente.
Mas porque razão estas extinções têm sido mais
frequentes, colocando em causa a diversidade biológica e consequente manutenção
da estabilidade dos ecossistemas? Sendo certo que a acção humana estará na
origem da maior parte dos problemas (MA 2005), podemos dizer que este cenário
de mudança dos padrões a biodiversidade deriva, sobretudo, da acção de dois
grandes grupos de promotores de alteração, os directos e os indirectos, muitos
deles com relações entre si, de origem natural ou antropogénica (MA, 2005).
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É fundamental adoptarmos comportamentos que preconizem a preservação das espécies e dos habitats. |
De entre os promotores directos, destacam-se:
- a alteração dos habitats - aqui podemos incluir
as alterações no uso do solo (a conversão na agricultura, florestação ou
pecuária, por vezes levando à extensificação ou à intensificação; o abandono e
a consequente degradação), a construção de infraestruturas, como barragens e
vias rodoviárias, que originam a sua fragmentação; a ocorrência do fogo (que é
considerado um dos mais rápidos na degradação do ecossistema);
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O fogo é considerado um dos mais rápidos promotores directos na destruição dos ecossistemas. |
- as alterações climáticas - este é um dos
aspectos que mais tem influenciado a perda de biodiversidade, ainda que seja
comummente aceite que as suas consequências são a longo prazo, embora já se
sintam bem o seu efeito no presente, nomeadamente com períodos de seca
prolongados ou de inundações muito recorrentes e intensas (o impacto das
alterações climáticas na evolução biológica das espécies está bem patente nesta
ideia: “evolve, aclimate, move or die” - “each biological species has a set of
optiumphysiological conditions that define the environment in which they
thrive, survive or die. When environmental conditions change and fall out of
the optium physiological ranges, for a given biological species, their
populations may (i) migrate, (ii) evolve and adapt, (iii)survive in ‘refuges’
or (iv) go extinct.”(Bacelar-Nivolau et ali., 2015));
- a introdução de espécies exóticas - que
rapidamente se tornam infestantes e invasoras causando desequilíbrios nos
ecossistemas sem que o homem se aperceba disso (Gaston, 2003 e Robinson et
ali., 2017); intensificação desta introdução com a liberalização do comércio e
com o turismo;
- a sobre-exploração dos recursos - o pastoreio,
numa fase inicial, e mais tarde a agricultura, tiveram uma influência muito
grande nas alterações à paisagem ancestral e consequente perda de diversidade
biológica; ainda assim, a sobre-exploração é mais evidente na pesca e na caça;
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O pastoreio desregrado pode levar à degradação dos habitats. No caso, as zonas altas da cidade do Funchal (Madeira), onde, durante várias décadas se praticou a livre pastorícia sem qualquer controlo. |
- e a poluição - associada não só à expansão
urbana e pressão demográfica crescente, mas também das actividades agrícolas,
causando sobretudo a poluição das águas com fertilizantes).
Por sua vez, de modo indirecto (todos eles forças
motrizes que acabam por afectar os promotores directos, mesmo que, em alguns
casos, lentamente) intervêm:
- os aspectos demográficos - sobretudo o aumento
da população urbana;
- os aspectos económicos;
- os aspectos sociopolíticos - tenha-se em atenção
a situação decorrente da adesão de Portugal à União Europeia e a influência das
políticas e directivas comunitárias ao nível ambiental e económico ou até mesmo
a influência da Política Agrícola Comum;
- aspectos culturais e religiosos - a
consciencialização social é um factor determinante;
- aspectos científicos e tecnológicos.
Note-se que tanto os cinco promotores directos, como
os cinco promotores indirectos referidos acabam, regra geral, se evidenciando
com a globalização (MA 2005). E apesar dos esforços que têm sido feitos para
reverter esta situação, os resultados não têm sido muito animadores, nem mesmo
com os vários acordos internacionais para a conservação de espécies e de
habitats, dos quais Portugal tem feito parte (Convenção para a Diversidade
Biológica, Convenção Ramsar, Convenção de CITES, Convenção de Bona).
Ainda assim, é sempre preferível tentar mitigar a
perda de diversidade biológica com as acções que têm sido postas no terreno,
nomeadamente através de incentivos à monitorização conservação de espécies e de
habitats, como sejam a criação de áreas protegidas ou zonas especiais de
protecção e conservação, como é o caso dos projectos Rede Natura 2000 ou LIFE
Natureza, tendo sempre por objectivo a inversão das tendências de declínio que
se registam actualmente.
A par da criação de zonas 'refúgio', torna-se
fundamental diminuir os impactos negativos da actividade agrícola; implementar
uma adequada gestão florestal; estabelecer medidas de mitigação dos impactos
causados pela construção de infra-estruturas como barragens e redes viárias;
implementar uma adequada prevenção ao fogo preconizando uma floresta mais
resiliente; implementação de instrumentos eficazes de combate da poluição e à
sobrexploração; controlo e combate de espécies infestantes, fomentando o seu
conhecimento e adequando estratégias; entre outras medidas a colocar em
prática.
Todavia, como em todos os outros domínios da
sociedade, as limitações dos actuais instrumentos financeiros são um dos
problemas que surgem logo à cabeça (Krott e al., 2000) no sucesso e
continuidade destes projectos, havendo, ainda assim, outros aspectos que são
igualmente fracturantes, como seja a falta de fiscalização (aplicação da
legislação existente) e monitorização por falta de meios humanos e materiais ou
a falta de eficácia dos projectos implementados (nomeadamente, no que toca a
espécies infestantes, a fraca eficácia dos métodos de erradicação utilizados
(Marchante et al., 2006)).
E na
Madeira, como é que lidamos com estes aspectos?
A Madeira, muitas vezes encarada como um
verdadeiro hotspot da biodiversidade, vive também situações problemáticas no
que toca à degradação dos seus ecossistemas e à perda de biodiversidade. Ainda
assim, à semelhança do que acontece na generalidade das ilhas, não podemos
deixar de a olhar como um local privilegiado para a criação de novas espécies,
mais não seja devido ao isolamento a que está sujeita.
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A proveniência dos diferentes organismos da floresta das ilhas e rotas de migração. (in. Silva, 2007) |
Aqui a história natural confunde-se, a partir de
certo momento, com a história da ocupação humana devido a todas as actividades
económicas e de subsistência, donde resulta a devastação dos ecossistemas
nativos (cf. o episódio de que a Madeira terá estado 7 anos a arder aquando da
sua colonização, Andrada, 1990).
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A Floresta Laurissilva assume-se como uma floresta relíquia. |
Mas muito antes disso, a Madeira, à semelhança de
todas as ilhas vulcânicas, passou por processos de transformação profundos. Com
as glaciações, toda a zona da Macaronésia, onde se inclui a Madeira, saiu
beneficiada, mantendo condições climatéricas mais constantes permitindo que as
extinções fossem mitigadas. Ora, em todo esse processo evolutivo, houve
ecossistemas que foram poupados. Estes núcleos sobreviventes acabaram por
funcionar como núcleos de irradiação e de fornecimento de suportes biológicos
para a procura de novas soluções adaptativas, como é o caso da Floresta
Laurissilva.
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Muitas são as espécies que acabaram desenvolvendo características únicas que lhes permitiram adaptar-se às particularidades do ecossistema em que se incluem. A Tarântula-do-Porto-Santo (Hogna biscoitoi) é um desses exemplo. |
Com a entrada do homem neste cenário, tudo muda
substancialmente. Desde logo, o resgate de solo para a pratica da agricultura e
da pastorícia (e também para a urbanização) foi um dos modeladores dos
ecossistemas regionais, que a par do fogo (Quintal, 2013) e dos extremos
climatéricos (sobretudo as cheias) têm alterado significativamente o meio natural
madeirense. Neste âmbito, convém salientar que na Madeira temos sentido o aumento da frequência e
violência dos fenómenos meteorológicos extremos, indiciando alterações
climáticas imprevistas, numa escala temporal muito reduzida, ao contrário do
que se pensava possível há poucas décadas atrás.
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Nas domínio das plantas vasculares, muitos são os endemismos que se podem encontram na Madeira. Entre esses destacam-se a Orquídea-das-rochas (Orchis scopulorum) e a Musschia Dourada (Musschia aurea) , esta última fazendo parte de um género que apenas pode ser encontrado na Madeira. |
Tão determinante como os modeladores já referidos,
é a introdução de novas espécies. Se tivermos em conta que as espécies
indígenas estão muitas vezes adaptadas a nichos ecológicos muito específicos e
limitados no espaço, as introduzidas podem rápida e facilmente dominar e ganhar
terreno. No presente, em parte pela acção intensiva e contínua, durante
séculos, e pelo papel devastador do fogo nas serras madeirenses, é cada vez
mais notório o avanço das espécies exóticas, que assumem, assim, o papel de
infestantes e de invasoras, colocando em causa o biota regional e macaronésio.
Tendo em conta todos estes factores e o nosso
elevado laxismo ecológico, a Madeira apresenta-se especialmente vulnerável à
entrada de espécies alienígenas, evidenciando as nossas fraquezas ambientais,
pelo que é fundamental, também na nossa Ilha, implementar medidas urgentes,
procurando contornar o facto de sermos mais sensíveis e termos menor capacidade
de adaptação às mudanças que se verificam diariamente.
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Estádios e transições no processo de invasão, no caso das invasões biológicas originadas
pelas actividades humanas (baseado em Williamson 1996). |
E há exemplos bem claros do flagelo que podem
causar as espécies invasoras (mormente por invasões biológicas) nos nossos
ecossistemas, nomeadamente o rato preto (Rattus
rattus), o gato doméstico (Felis
silvestris catus), a giesta (Cytisus
scoparius e Cytisus striatus), a
abundância (Ageratina adenophora), a
bananilha (Hedychium gardnerianum), a
cana-vieira (Arundo donax), a
carqueja (Ulex europaeus), o
maracujá-de-banana (Passiflora tripartita
var. mollissima), o incenseiro (Pittosporum
undulatum), a tabaqueira (Solanum
mauritianum), as várias espécies de acácias (por exemplo a Acacia dealbata) e eucaliptos (por
exemplo o Eucalyptus globulus), que entre
muitas outras têm um forte impacte negativo nas populações nativas (cf. Silva
et ali., 2008).
Perante um cenário negro como o que aqui se
esboça, é necessário protegermos o valiosíssimo património natural que temos.
Alguns projectos já têm sido colocados em prática, mas temos um longo percurso
por percorrer.
Muitos dos projectos de conservação implementados até à data
pecam por darem mais ênfase às espécies e menos à complexidade do mosaico de habitats
e ecossistemas, devendo esta tendência ser invertida. E se com a implementação
da Rede Natura 2000 temos conseguido alguns aspectos culturais da paisagem, não
podemos cruzar os braços.
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Os incêndios na zona florestal têm hipotecado a biodiversidade madeirense nos últimos 5 anos. |
Vejamos, por exemplo, as consequências das vagas de
incêndios das últimas décadas e a perda de biodiversidade e consequente avanço
das infestantes. A par disso, é necessário irmos um pouco além dos grupos emblemáticos,
como o das aves e o das plantas vasculares endémicas, sendo necessário alocar
mais fundos para grupos menos carismáticos, como o das plantas criptogâmicas e
o dos invertebrados.
Em simultâneo, devemos ser capazes de implementar
mudanças no modelo socioeconómico actual e pela mudança do nosso comportamento,
preconizando uma evolução para um modelo ambientalmente sustentado e
sustentável.
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